No Brasil, a Lei Maria da Penha cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, assegurando a concessão de medidas protetivas de urgência às vítimas. Quem concede essas medidas é um juiz, a partir da análise do caso, e o deferimento independe de processo instaurado. Isso significa que a vítima pode requerer uma medida de proteção diretamente em uma delegacia, que encaminhará o pedido para o juízo dentro de 48 horas.
A concessão de medidas protetivas tem como principal objetivo proteger a integridade da mulher sempre que ela estiver em risco ou após já ter sido violada. As medidas podem incluir afastamento do lar, proibição de aproximação ou qualquer tipo de contato com a vítima.
Durante os dois anos em que trabalhei em um dos Juizados de Violência Doméstica do Rio de Janeiro, onde atendia vítimas diariamente, percebi que pedidos de desistência das medidas protetivas eram recorrentes. Muitas mulheres compareciam para informar que estavam enganadas ou que “já tinham resolvido a situação”. As psicólogas da equipe multidisciplinar identificavam que as desistências geralmente estavam relacionadas à dependência financeira e emocional do agressor.
Um estudo do DataSenado de 2021 concluiu que depender financeiramente do agressor é o segundo motivo pelo qual as mulheres deixam de denunciar. O medo de abandonar o lar e não ter para onde ir, o que comer ou como sustentar os filhos perpetua o ciclo de violência.
Nesse sentido, apesar das medidas protetivas serem fundamentais, elas não são capazes de solucionar o problema na realidade de muitas mulheres, especialmente quando a violência evolui para feminicídio. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o Brasil possui a quinta maior taxa de feminicídios do mundo, com 4,8 para cada 100 mil mulheres.
A solução passa por oferecer alternativas reais para essas mulheres conquistarem independência financeira. Embora o trabalho formal seja uma opção, ele é uma realidade distante para muitas, especialmente moradoras de favelas e comunidades. Nesse contexto, o empreendedorismo surge como uma alternativa viável.
De acordo com o Data Favela, metade dos moradores de comunidades no Brasil se consideram empreendedores, e 76% têm, tiveram ou pretendem ter um negócio próprio. O empreendedorismo proporciona autonomia, flexibilidade e empoderamento, sendo uma ferramenta para mudar a realidade de muitas mulheres.
Um estudo do Instituto RME mostrou que 48% das mulheres conseguiram terminar relacionamentos abusivos ao abrirem seu próprio negócio em 2021. Além disso, 72% das empreendedoras alegaram possuir independência financeira total ou parcial, e 81% disseram que empreendedoras têm mais autonomia na vida.
Conclui-se que a atuação estatal é importante para reprimir a violência, mas o empreendedorismo e a liberdade econômica são os caminhos que resgatam a autonomia da mulher, capacitando-a a escolher seu próprio futuro.
Letícia Barros é advogada e vice-presidente do LOLA Brasil.
Este artigo foi originalmente publicado na Revista Crusoé.
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