Não é comum escrever em espaços como este para celebrar conquistas e avanços femininos, mas no último dia 8 de Março, as mulheres brasileiras tiveram ao menos duas notícias positivas que devem ser ressaltadas.
A primeira delas, anunciada em janeiro, é que já não há mais embaraços para o acesso ao aborto legal em casos de estupro. Ainda no governo do presidente Jair Bolsonaro, o então ministro da saúde, Eduardo Pazuello, editou um decreto para que todos os procedimentos de interrupção voluntária de gravidez proveniente de estupro resultassem em assunto policial. O decreto tratava-se de verdadeira afronta ao sigilo médico paciente, sobretudo em matéria tão íntima.
A segunda razão é decorrente da flexibilização das exigências para a realização voluntária de esterilização. Até a semana passada, as mulheres, se casadas, necessitavam do consentimento do cônjuge para realização do procedimento, além de terem que ter idade mínima de 25 anos caso não tivessem dois filhos vivos. Apesar de agora as mulheres terem a liberdade de escolher executar uma laqueadura a partir dos 21 anos, ainda enfrentam as burocracias determinadas em lei como: necessária manifestação de vontade escrita em um prazo de 60 dias antes do procedimento e aconselhamento vindo dos profissionais de saúde, o que pode acabar desencorajando a realização do procedimento.
Acontece que a esterilização voluntária trata de uma decisão pessoal e de nenhuma forma de matéria compatível com interesse do Estado brasileiro. Ainda assim, ambas as medidas citadas acima são cabíveis de comemoração pelas mulheres brasileiras nesta semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher.
É importante lembrar, porém, que o motor histórico já mostrou que não há linearidade em avanços de conquistas de direitos. As mulheres podem regredir rapidamente sobre o que já alcançaram. A grande prova foi o retrocesso no acesso ao aborto feito no governo de Jair Bolsonaro, mas desfeito no governo Lula.
Na medida em que os retrocessos sofridos pelas mulheres no mandato passado foram da seara dos direitos individuais, é possível que agora haja retrocessos sob o ponto de vista econômico. Apesar de a CLT já elencar a proibição de diferenciação salarial entre homens e mulheres, o atual presidente anunciou que se prepara para dar início legislativo a uma nova norma que atua com a mesma função. Se a CLT já afirma que é impossível discriminar por questões de gênero em termos salariais, qual inovação traz essa nova medida do governo Lula?
É sempre preocupante quando novas regulamentações podem resultar em consequências indesejáveis, sobretudo sob o aspecto econômico de empregabilidade das mulheres. À medida que novas leis surgem com a intenção de proteger e legitimar direitos do gênero, essas mesmas leis servem como mais um impasse na escolha de empresas e corporações por mais mulheres em seu quadro de colaboradores.
Não é aceitável que medidas populistas, cujo intuito seja apenas sinalizar para o eleitorado, prejudiquem a inserção de mulheres no mercado de trabalho. As medidas ainda estão sendo apresentadas, mas vale o alerta e esperamos que 2023 continue sendo um ano para as brasileiras celebrarem.
Izabela Patriota é advogada e doutoranda em direito pela USP. Também é diretora de Relações Internacionais no LOLA Brasil.
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Este artigo foi originalmente publicado na Congresso em Foco.
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